A Mulher da meia-noite é um fantasma do folclore mundial. Sua história possui diversas variantes em várias partes do mundo, mas é na América do Sul que encontram relatos mais variados.
Versões
- A versão que parece ser a mais antiga e bem documentada é uma novela escrita por Wilkie Collins em 1859, chamada The Woman in white publicada como folhetim entre 1859-1860 pela revista All the year round, na Inglaterra, e pelo Harper's Bazar, nos Estados Unidos, e pela primeira vez em livro em 1860, é considerada a primeira novela de mistério e fez muito sucesso.
- No Brasil, a Mulher da meia-noite também recebe os nomes de Bela da Noite, Mulher de branco (ou de outras cores, tais como vermelho, preto, de acordo com as vestes com as quais se apresenta).
- Na Venezuela, é chamada de "La Sayona".
- No México recebeu o nome de "La Llorona"
- Na região andina, existe a figura da "Paquita Muñoz".
Fonte: wikipedia.org
Canção da Moça-Fantasma de Belo Horizonte - Carlos Drummond de Andrade
Eu sou a Moça-Fantasma
que espera na Rua do Chumbo
o carro da madrugada.
Eu sou branca e longa e fria,
a minha carne é um suspiro
na madrugada da serra.
Eu sou a Moça-Fantasma. O meu nome era Maria,
Maria-Que-Morreu-Antes.
Sou a vossa namorada
que morreu de apendicite,
no desastre de automóvel
ou suicidou-se na praia
e seus cabelos ficaram
longos na vossa lembrança.
Eu nunca fui deste mundo:
Se beijava, minha boca
dizia de outros planetas
em que os amantes se queimam
num fogo casto e se tornam
estrelas, sem irônia.
Morri sem ter tido tempo
de ser vossa, como as outras.
Não me conformo com isso,
e quando as polícias dormem
em mim e foi-a de mim,
meu espectro itinerante
desce a Serra do Curral,
vai olhando as casas novas,
ronda as hortas amorosas
(Rua Cláudio Manuel da Costa),
pára no Abrigo Ceará,
nao há abrigo. Um perfume
que não conheço me invade:
é o cheiro do vosso sono
quente, doce, enrodilhado
nos braços das espanholas.
– Oh! deixai-me dormir convosco.
E vai, como não encontro
nenhum dos meus namorados,
que as francesas conquistaram,
e cine beberam todo o uísque
existente no Brasil
(agora dormem embriagados),
espreito os Carros que passam
com choferes que não suspeitam
de minha brancura e fogem.
Os tímidos guardas-civis,
coitados! um quis me prender.
Abri-lhe os braços... Incrédulo,
me apalpou. Não tinha carne
e por cima do vestido
e por baixo do vestido
era a mesma ausência branca,
um só desespero branco...
Podeis ver: o que era corpo
foi comido pelo gato.
As moças que’ ainda estão vivas
(hão de morrer, ficai certos)
têm medo que eu apareça
e lhes puxe a perna... Engano.
Eu fui moça, Serei moça
deserta, per omnia saecula.
Não quero saber de moças.
Mas os moços me perturbam.
Não sei como libertar-me.
Se o fantasma não sofresse,
se eles ainda me gostassem
e o espiritismo consentisse,
mas eu sei que é proibido
vós sois carne, eu sou vapor.
Um vapor que se dissolve
quando o sol rompe na Serra.
Agora estou consolada,
disse tu do que queria,
subirei àquela nuvem,
serei lâmina gelada,
cintilarei sobre os homens.
Meu reflexo na piscina da Avenida Paraúna
(estrelas não se compreendem),
ninguém o compreenderá.
Neste poema Drummond parte do que seria uma lenda urbana para abordar, na imagem metafórica do espectro noturno assombrado pela solidão pós-morte, o seu isolamento e o de toda humanidade.
Assumindo a voz dramática dessa alma que vaga pelas ruas da cidade mineira em busca da comunhão amorosa desconhecida em vida, o gauche assume uma sutil máscara heterônima, marcada pelo halo do fantástico, como se sua solidão também fosse um espectro fantasmagórico a transitar pela desconcertada modernidade do mundo caduco.
A reflexão poética sobre a solidão, tecida por Drummond nesse poema, mescla-se com o questionamento sobre o próprio sentido do existir e já guarda, de certa forma, um embrião do pessimismo metafísico que dominará sua escrita a partir de Claro Enigma.
O poeta-moça-fantasma se defronta diante de uma transcendência vazia, pois a morte e a possível vida espiritual não surgem como solução para o enigma da existência, com o reencontro com o Criador, porém como um intolerável castigo, a expiação de uma solidão eterna, “Oh! Deixai-me dormir convosco”, distante das benesses gloriosas das promessas do paraíso que imperam no imaginário judaico-cristão.
Ultrapassar a fronteira da morte e encontrar a eternidade não propicia à Moça-Fantasma a onisciência sobre o sentido do existir, a comunhão adiada com a humanidade, o contato amoroso desconhecido, mas a consciência da incomunicabilidade plena de um ser ainda repleto de paixões irrealizadas.
Essa alma passa a desvelar o abandono eterno do gênero humano, excluído agora de sua substância corpórea, a transpassar corpos viventes plenos de vida e jamais conseguir com eles comungar.
Esse ser etéreo, que se apresenta sensivelmente aos homens, não causa pavor ao poeta, mas apenas uma inquietante identificação.
Resgatando a dimensão simbólica da escuridão como elemento soturno, opressor, de erupção do medonho, o ambiente da noite ressurge na trajetória dessa aparição das ruas desertas da província mineira.
Metáfora da comunhão adiada de Drummond com a humanidade, a Moça-Fantasma é aquele ente que, apartado do mundo dos vivos, sofre por perder a dimensão humana de ser vivente que, nem em vida, nem na morte, consegue o encontro com o outro. “Morri sem ter tido tempo / de ser vossa, como as outras”.
“Canção da Moça-Fantasma de Belo Horizonte” é uma alegoria de uma mundana-fantasma representando as vicissitudes da vida ingrata das mulheres de rua. A originalidade está na forma de representação e na forma poética feliz com que Drummond realizou o projeto alegórico. Com esse projeto, Drummond consegue mexer com o imaginário popular e mundano sempre atento aos percursos do amores marginais ou clandestinos. O espectro da moça-fantasma assume a narrativa em primeira pessoa numa intenção de apresentar uma mensagem necessária como se fosse uma purgação: “Agora estou consolada, disse tudo que queria, subirei àquela nuvem, serei lâmina gelada”.
Fonte: passeiweb.com
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